31 outubro 2011

A depressão é falta de Deus? - Dra Giselle Fachetti

As pesquisas científicas mais recentes são categóricas em afirmar que a fé religiosa interfere positivamente na capacidade de recuperação de um doente. Por outro lado, existem pessoas que atribuem à sua fé religiosa seu estado de saúde plena.
Sem dúvida, a fé é um recurso transformador da mente, porém, sem discernimento ela deságua no fanatismo e no preconceito, o que é sempre pernicioso. Os bens espirituais não são materiais ou físicos, por isso, as bênçãos divinas não podem ser medidas pelo sucesso financeiro ou pelo vigor físico de um indivíduo.
Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. Mateus 6:20

O que pretendemos discutir neste artigo é o outro lado da moeda. Será o doente um indivíduo sem fé, sem Deus? Será que o otimismo, o pensamento positivo, a boa vontade, a fé em Deus são suficientes para que tenhamos saúde?

Todas as doenças têm causas multifatoriais. Existe um componente físico, um emocional e outro espiritual. A conjunção dos três níveis de desequilíbrio é que abre as portas do organismo humano para a instalação de doenças.
Choca-me a forma recorrente e incisiva com que pessoas esclarecidas, atuantes dentro de comunidades religiosas as mais diversas, afirmam que para elas a depressão é falta de Deus. Como se se tratasse de uma questão de escolha. Chegam a cogitar que os medicamentos antidepressivos seriam os responsáveis pela doença. É lastimável que essa visão distorcida seja tão presente em nossa sociedade.
Trata-se de questão relevante, pois o doente com depressão tem ao seu lado, em sua família, pessoas com esse pensamento. O que resulta em um retardo no diagnóstico, prolonga o sofrimento do deprimido e, boicota seu tratamento. Essa visão se transfere ao doente e, ele sente-se ainda pior. Considera-se fraco, incapaz ou indolente.
As pessoas que assim pensam cometem vários erros do ponto de vista médico e, outros tantos do ponto de vista evangélico. Elas assim agem por interpretarem os sintomas dessa doença como puramente emocionais ou como falhas de caráter. Desconhecem os mistérios da mente em sua interação complexa envolvendo o universo biológico, emocional e espiritual.
O religioso precipitado julga o doente ignorando o verdadeiro mecanismo da sua doença, que é expressão de anomalia física e não de anomalia de caráter. Assim como o diabetes traduz a falta de insulina, a depressão reflete déficit de neuro-hormônios no cérebro.
Existe, logicamente, um intricado emaranhamento entre questões emocionais e o curso mais ou menos favorável dessa condição, como em qualquer outra situação de desequilíbrio orgânico.

Portanto nada julgueis antes do tempo, até que venha o Senhor, o qual não só trará à luz as coisas ocultas das trevas, mas também manifestará os desígnios dos corações; e então cada um receberá de Deus o seu louvor. I Coríntios 4:5

É interessante como a humanidade repete, incansavelmente, os mesmos erros de seu passado. Os Hansenianos contemporâneos de Jesus eram tidos como malditos e pecadores, como vítimas do castigo divino.
Sob o prisma da medicina sabemos que humor é uma função da mente regulada por neuro-hormonios. A pessoa com distúrbio do humor não está triste ou alegre. Ela está deprimida ou eufórica. Em medicina não são sinônimos, podemos ter uma pessoa deprimida e alegre e, uma pessoa em euforia e triste. A tristeza é um sentimento em reação a um fato exterior. A depressão não depende de cau sa externa, daí o termo depressão endógena.
Quando ocorre uma diminuição da produção de neuro-hormônios, especialmente da serotonina, ocorre alteração do humor no sentido da depressão. A euforia é mais rara e, associa-se a um distúrbio da mente mais severo conhecido como doença bipolar.
A depressão endógena, portanto, reflete déficit de neurotransmissores e a etiologia desse déficit por sua vez é multifatorial. A influência genética é bastante evidente. Trata-se de condição mais frequente na mulher em função da flutuação hormonal que ela sofre. A progesterona, hormônio da segunda fase do ciclo e, da gravidez, predispõe à depleção de serotonina, por isso a tendência feminina para alterações do humor na fase pré-menstrual.
Trata-se de doença com caráter cíclico e recorrente. Os episódios de depressão costumam ser longos durando entre seis meses e dois anos. Em suas formas graves pode levar a uma profunda apatia, sensação de intenso pesar que pode levar o deprimido até extremos como o do suicídio.
As formas leves muitas vezes são negligenciadas, pois tem manifestação algo diferente. A pessoa fica irritada, ansiosa, intolerante, pode desenvolver pânico ou comportamento obsessivo compulsivo. Mesmo em sua forma leve a depressão compromete bastante a qualidade de vida do seu portador, compromete ainda seus relacionamentos profissionais e pessoais. São pessoas tidas como chatas, arrogantes, perfeccionistas, intransigentes ou cheias de manias.
A Distimia é um distúrbio crônico do humor, uma forma mais leve da depressão endógena que se caracteriza por persistir por períodos maiores que dois anos e por manifestar-se com humor mais irritável do que depressivo.

Os exercícios físicos liberam endorfinas na corrente sanguínea as quais tem ação antidepressiva natural. O chocolate, fonte de triptofano, um precursor da serotonina, também tem ação antidepressiva. Atualmente existem medicamentos seletivos e seguros para o tratamento da depressão. São os antidepressivos, que não devem ser confundidos com sedativos, hipnóticos ou tranquilizantes. Estes últimos causam dependência química, o que não acontece com os medicamentos específicos para depressão.
Infelizmente, drogas ilícitas e lícitas, como o álcool, também têm algum efeito antidepressivo transitório. Isso leva, comumente, ao seu uso abusivo pelos doentes em função de um busca por alívio instantâneo do desconforto que os consomem, especialmente, naquelas pessoas que não se sabem ou não se admitem doentes.
Assim, o risco de desenvolvimento de dependência química entre os deprimidos é aumentado. Não é incomum que o diagnóstico de depressão endógena só seja feito após a instalação de uma dependência química, especialmente entre os adolescentes.
Os antidepressivos ainda que bastante eficientes devem ser associados a exercício físico e ao suporte emocional para que se obtenha um bom controle das crises depressivas. Tal medicação pode ser usada por extensos períodos, de acordo com a forma da doença e a necessidade de cada doente.
O suporte espiritual é também fundamental para o depressivo. Reduz a influência exterior negativa (obsessão) e, aumenta a capacidade de reagir à doença através da busca serena de soluções seguras. Quando afirmamos que a depressão é falta de Deus estamos julgando um doente como um simulador ou como um auto-agressor. Estamos julgando o doente como fraco e, sem vontade. E pior, como distante de Deus. Quantos enganos em relação ao Evangelho do Cristo? Ele, o Cristo, nos conclama a não julgarmos, a sermos compassivos e misericordiosos. 
Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; Mateus 5:7

Todas as doenças enfrentadas com o auxílio divino são mais leves e tornam-se instrumento de educação do espírito encarnado. Tendo fé a nossa dor tem um sentido, faz parte de um conjunto de bênçãos do criador em favor de nossa evolução rumo aos paramos celestiais. Com fé lutaremos pela vida e pela disposição, sem revolta e com inteligência.
Tendo fé usaremos todas as armas terapêuticas em nosso benefício e pelo tempo necessário conforme essa necessidade se imponha. Caso não precisemos de medicação, usaremos apenas os exercícios físicos e o apoio emocional como alternativa suficiente, já que múltiplos são os tratamentos eficazes em relação a essa doença.
A premissa que depressão é falta do que fazer, falta de Deus, chilique... É desinformada e cruel. A informação sobre essa condição permitirá que pessoas saudáveis acolham respeitosamente as necessidades dos doentes com os quais convivem.
E, para finalizarmos, levantamos uma evidência óbvia de que a depressão não tem como causa, em hipótese alguma, a falta de Deus: os índices dessa doença são semelhantes entre ateus e teístas.
Giselle Fachetti Machado

23 outubro 2011

Mediunidade - Amor em serviço.

Muita gente não sabe, mas a mediunidade não foi inventada pelo espiritismo e muito menos por Allan Kardec. Ela existe desde que o mundo é mundo. E já existia antes que nosso próprio mundo fosse criado. A bíblia está repleta de momentos mediúnicos, ou seja, de narrativas aonde alguém serviu de ponte, de elo de ligação entre o mundo espiritual e o mundo físico.
O grande codificador nos diz claramente que todos somos médiuns, e mais, que na relação com o mundo invisível somos mais comandados do que imaginamos. Um dos motivos para isso é justamente a falta de interesse da maioria das pessoas em aprofundar no assunto, entender o que significa e  a forma como desenvolver, se proteger, ajudar, etc...
A relação com o espiritual tem sido confundida com misticismo, feitiçaria, macumba, ou o nome que queiram dar, mas a verdade é que a todo momento quando elevamos o nosso pensamento a Deus, estabelecemos essa ligação e iniciamos uma relação direta com o plano astral. Da mesma forma, a todo momento que emitimos pensamentos negativos, iniciamos uma relação com os espíritos que se afinizam com nossa energia. Isso é mediunidade.
A grande questão é que todos pensamos em mediunidade somente quando lembramos de um Chico Xavier, um Divaldo Franco, mas na nossa vida prática diária, pensar assim nos impede de aproveitar mais e melhor essa relação com o espiritual, nos impede de perceber que a cada momento somos e agimos como médiuns. Podemos não perceber, visualizar, escutar como os grandes médiuns mais famosos pela relação com além, porém isso não muda o fato de que estamos a todo momento emitindo e recebendo energias e pensamentos que podem nos auxiliar ou prejudicar.

Mesmo trabalhadores espíritas experimentados costumam utilizar uma tecla de LIGA-DESLIGA, ligando no centro espírita e desligando quando saem.
O ideal seria que tentássemos manter uma relação saudavel, de fé e consciência com a espiritualidade superior, com Deus e seus trabalhadores. Isso traria grande impacto na nossa saúde física e espiritual. Trabalhos científicos interessantes tem mostrado o poder da fé e da oração na manutenção ou restabelecimento da saúde, com aspectos importantes no tratamento do câncer.
Fingir que essa relação com o espiritual não existe e se negar a entender o processo, é deixar que qualquer energia deletéria possa nos influenciar e prejudicar nossa saúde. Por outro lado, se entendermos que existe uma relação contínua com o plano espiritual, isso poderia nos trazer conforto e proteção, nos mantendo constantemente em contato com energias sutis. E não precisamos esperar o trabalho mediúnico semanal para exercermos nossa mediunidade, o ideal é entendermos que tudo é mediunidade, a todo momento podemos ser e somos instrumentos da espiritualidade para confortar ou desequilibrar, a depender da nossa vontade e disciplina.
Paz e luz!

04 outubro 2011

"Ponto Deus" no cérebro




"Ponto Deus" no cérebro,

por Leonardo Boff *

Uma frente avançada das ciências, hoje, é constituída pelo estudo do cérebro e de suas múltiplas inteligências. Alcançaram-se resultados relevantes, também para a religião e a espiritualidade. Enfatizam-se três tipos de inteligência. A primeira é a inteligência intelectual, o famoso QI (Quociente de Inteligência), ao qual se deu tanta importância em todo o século XX. É a inteligência analítica pela qual elaboramos conceitos e fazemos ciência. Com ela organizamos o mundo e solucionamos problemas objetivos.

A segunda é a inteligência emocional, popularizada especialmente pelo psicólogo e neurocientista de Harvard David Goleman, com seu conhecido livro A Inteligência emocional (QE = Quociente Emocional). Empiricamente mostrou o que era convicção de toda uma tradição de pensadores, desde Platão, passando por Santo Agostinho e culminando em Freud: a estrutura de base do ser humano não é razão (logos) mas é emoção (pathos). Somos, primariamente, seres de paixão, empatia e compaixão, e só em seguida, de razão. Quando combinamos QI com QE conseguimos nos mobilizar a nós e a outros.

A terceira é a inteligência espiritual. A prova empírica de sua existência deriva de pesquisas muito recentes, dos últimos 10 anos, feitas por neurólogos, neuropsicólogos, neurolingüistas e técnicos em magnetoencefalografia (que estudam os campos magnéticos e elétricos do cérebro). Segundo esses cientistas, existe em nós, cientificamente verificável, um outro tipo de inteligência, pela qual não só captamos fatos, idéias e emoções, mas percebemos os contextos maiores de nossa vida, totalidades significativas, e nos faz sentir inseridos no Todo. Ela nos torna sensíveis a valores, a questões ligadas a Deus e à transcendência. É chamada de inteligência espiritual (QEs = Quociente espiritual), porque é próprio da espiritualidade captar totalidades e se orientar por visões transcendentais.

Sua base empírica reside na biologia dos neurônios. Verificou-se cientificamente que a experiência unificadora se origina de oscilações neurais a 40 herz, especialmente localizada nos lobos temporais. Desencadeia-se, então, uma experiência de exaltação e de intensa alegria como se estivéssemos diante de uma Presença viva.

Ou inversamente, sempre que se abordam temas religiosos, Deus ou valores que concernem o sentido profundo das coisas, não superficialmente mas num envolvimento sincero, produz-se igual excitação de 40 herz.

Por essa razão, neurobiólogos como Persinger, Ramachandran e a física quântica Danah Zohar batizaram essa região dos lobos temporais de 'o ponto Deus'.

Se assim é, podemos dizer em termos do processo evolucionário: o universo evoluiu, em bilhões de anos, até produzir no cérebro o instrumento que capacita o ser humano perceber a Presença de Deus, que sempre estava lá embora não percebível conscientemente. A existência desse 'ponto Deus' representa uma vantagem evolutiva de nossa espécie homo. Ela constitui uma referência de sentido para nossa vida. A espiritualidade pertence ao humano e não é monopólio das religiões. Antes, as religiões são uma das expressões desse 'ponto Deus'.


*Leonardo Boff:
Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina, 14/12/1938. É neto de imigrantes italianos da região do Veneto, vindos para o Rio Grande do Sul no final do século XIX.    Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959.
Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heidelberg (Alemanha). É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suécia), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos. De 1970 a 1985, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995). É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística.